Segundo o desembargador Alexandre Victor de Carvalho, no sistema jurídico brasileiro, a clareza e a precisão da denúncia são pilares fundamentais para garantir o direito de defesa do acusado. Um exemplo que ilustra bem essa exigência é o habeas corpus de número 1.0000.10.027967-8/000, julgado pela 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Neste processo, a paciente questionava a validade da denúncia que lhe imputava o crime de peculato-furto.
Este artigo explora os detalhes e a fundamentação jurídica dessa relevante decisão.
O entendimento do desembargador sobre a inépcia da denúncia
O desembargador Alexandre Victor de Carvalho destacou que a denúncia não cumpria os requisitos essenciais previstos no artigo 41 do Código de Processo Penal. Segundo ele, a peça acusatória não descrevia com precisão as circunstâncias dos fatos, tampouco individualizava adequadamente a conduta da paciente. Essa ausência de detalhamento, segundo o magistrado, comprometeria diretamente o pleno exercício da defesa, uma vez que não se sabia com clareza quando os atos ocorreram.

Ainda em seu voto, o desembargador ressaltou a contradição entre a conduta descrita na denúncia e a capitulação legal adotada. A Promotoria usou repetidamente o verbo “apropriar-se”, conduta típica do peculato-apropriação (art. 312, caput, do CP), mas tipificou o crime como peculato-furto (art. 312, §1º). Essa incongruência, para o desembargador, gerava incerteza quanto à exata imputação, criando insegurança jurídica e dificultando a elaboração de uma defesa técnica eficaz.
A controvérsia na Câmara Criminal e a divergência vencida do desembargador
Apesar da posição fundamentada do desembargador, a maioria dos membros da 5ª Câmara Criminal entendeu que a denúncia não era inepta. A relatora para o acórdão, desembargadora, votou pela denegação da ordem, sustentando que os fatos estavam suficientemente descritos e que a defesa da paciente não fora inviabilizada. Para ela, embora não houvesse detalhes minuciosos sobre cada operação financeira, a narrativa apresentada permitia à acusada compreender do que estava sendo acusada.
A divergência entre os julgadores revela um debate importante sobre o limite da suficiência descritiva da denúncia. Alexandre Victor de Carvalho, com base em doutrina renomada como Aury Lopes Jr., enfatizou a necessidade de individualização das condutas e de um conteúdo que permita a defesa plena. Já a corrente vencedora adotou uma visão mais flexível, considerando que a existência de uma auditoria anexada aos autos poderia suprir eventuais omissões da peça acusatória.
O impacto da decisão e a relevância do posicionamento do desembargador
Embora tenha sido vencido, o voto do desembargador demonstra uma postura firme na proteção dos direitos fundamentais do acusado, especialmente quanto ao contraditório e à ampla defesa. Seu posicionamento ressalta a importância de uma denúncia clara, que contenha a descrição minuciosa das condutas atribuídas, sobretudo em crimes complexos como o peculato. Para ele, não basta indicar genericamente os fatos ou apontar documentos; é necessário apresentar os elementos essenciais à formação da acusação.
A decisão final da 5ª Câmara Criminal, que denegou a ordem de habeas corpus, permite que o processo continue, mas deixa registrada uma importante advertência feita por Alexandre Victor de Carvalho. Seu voto, mesmo não vencedor, contribui para o debate sobre o equilíbrio entre a persecução penal e as garantias constitucionais. Magistrados como ele reforçam o papel do Judiciário na fiscalização rigorosa da legalidade das acusações penais, especialmente quando há risco de cerceamento de defesa.
Em suma, o julgamento do habeas corpus é um exemplo emblemático da tensão entre a acusação penal e os direitos do réu. O desembargador Alexandre Victor de Carvalho atuou com rigor técnico e sensibilidade jurídica ao defender a nulidade da denúncia por inépcia, fundamentando sua posição em princípios constitucionais e normas do Código de Processo Penal. O caso evidencia como decisões judiciais, mesmo quando minoritárias, podem iluminar debates essenciais para o aperfeiçoamento da Justiça Criminal brasileira.
Autor: Silvye Merth