A dinâmica eleitoral brasileira sempre esteve profundamente conectada às características culturais e sociais das regiões, e nas eleições de 2022 isso se tornou ainda mais evidente. O resultado das urnas refletiu, de maneira clara, a divisão entre cidades majoritariamente católicas e aquelas com forte presença evangélica. Essa divisão não apenas revelou preferências eleitorais distintas, mas também mostrou como a fé e a religião continuam desempenhando um papel fundamental na construção do voto do brasileiro. A disputa foi intensa, mas os padrões religiosos de cada região acabaram moldando a direção dos votos.
Nas regiões onde a tradição católica é mais presente, especialmente no interior do Nordeste e em partes do Sudeste, houve uma forte adesão à candidatura que simbolizava uma continuidade de políticas sociais e um discurso mais alinhado com pautas históricas desse eleitorado. Nessas localidades, a figura do candidato vencedor foi associada à luta contra a pobreza e ao resgate de uma agenda mais popular. A identificação do eleitorado com esse perfil foi essencial para consolidar a vitória nessas áreas, já que muitos dos valores culturais ali presentes têm raízes profundas no catolicismo tradicional.
Por outro lado, nas cidades em que a população evangélica predomina, principalmente no Centro-Oeste, no Sul e em áreas metropolitanas, a resposta foi bem diferente. A preferência por uma candidatura mais conservadora e voltada a temas como segurança, família e combate ao que consideram ameaças aos valores cristãos se destacou. O apoio de lideranças religiosas teve papel decisivo nesse cenário, com igrejas servindo como centros de mobilização e convencimento político. Essa estrutura foi crucial para garantir uma votação expressiva ao candidato conservador.
Essa divisão entre regiões católicas e evangélicas não surgiu do nada, ela é resultado de anos de transformação no cenário religioso brasileiro. Enquanto o catolicismo tem raízes históricas profundas, os últimos anos viram o crescimento acelerado de igrejas evangélicas, com maior penetração nas periferias urbanas e nas cidades em crescimento acelerado. Esse fenômeno ajudou a construir um novo perfil de eleitor que prioriza valores morais e uma retórica mais combativa em relação a mudanças sociais recentes, o que influenciou diretamente o comportamento nas urnas.
Além disso, é importante notar como o discurso de cada candidato soube se comunicar com essas realidades distintas. Enquanto um apostou em mensagens de inclusão social e reconciliação nacional, o outro reforçou o discurso de defesa de princípios religiosos e combate à corrupção e ao “politicamente correto”. Essas narrativas foram estrategicamente distribuídas para atingir os públicos certos, contribuindo para a polarização do cenário e para os resultados distintos conforme o perfil religioso da cidade.
Outro ponto relevante foi o uso da comunicação direta, especialmente através das redes sociais. Em áreas com maioria evangélica, houve uma mobilização mais intensa por meio de vídeos, lives e grupos de mensagens que reforçavam a conexão entre fé e política. Já em regiões com predominância católica, a comunicação foi mais institucionalizada e conectada a projetos sociais e históricos, fortalecendo o vínculo entre os eleitores e o candidato que defendia esses pilares.
O comportamento dos eleitores também esteve vinculado à percepção de representatividade. Cidades com maioria católica viram no candidato vencedor uma figura próxima, conhecida, alguém que falava a sua linguagem e compreendia seus anseios. Por sua vez, as cidades evangélicas enxergaram no adversário um defensor de seus valores e de sua forma de viver. Essa identificação afetiva e cultural com os candidatos foi determinante para o resultado final, provando que a política brasileira ainda caminha lado a lado com o sentimento religioso.
Por fim, os dados revelam mais do que uma simples divisão eleitoral. Mostram um país que ainda está aprendendo a conviver com suas diferenças e que carrega, em cada voto, a complexidade de sua diversidade cultural e espiritual. As eleições de 2022 foram um reflexo claro disso, e o papel das religiões, especialmente nas cidades com forte identidade religiosa, continuará sendo um fator determinante nos rumos políticos do Brasil. Essa conexão entre fé e política, longe de ser circunstancial, se mostra como uma característica estrutural do cenário eleitoral brasileiro atual.
Autor : Silvye Merth